5.10.10

microcosmo

ontem tive uma rara experiência democrática em um microcosmo bem conhecido por mim: a eleição do novo síndico do condôminio onde moro - chama o tim maia!!! eis que lá estavam boa parte dos 470 proprietários de apartamentos dessa modesta vila. todos interessados em fazer valer seu voto - que não era obrigatório - para a mais acirrada disputa entre situação e oposição. tudo com direito aos esteriótipos plenamente representados: a situação nas mãos de um velho senhor gasto, há dez anos no poder, cheio de reservas e privilégios a um grupo seleto de moradores dos blocos iniciais. uma verdadeira elite, reacionária e ranzinza, dispota a manter-se de unhas e dentes na administração da vida condominal. essa micro-direita tinha o apoio irrefutável da imobiliária administradora, dos donos do mercadinho, dos donos da creche, dos donos dos dois salões de beleza, dos moradores mais velhos, dos moradores evangélicos e dos moradores militares! um primor! do outro lado, a oposição: mulheres solteiras, separadas e independentes, jovens estudantes, senhores de profissão livre, nitidamente mais pobres e revoltosos com o sistema do condomínio. com pouco apoio declarado, restringindo-se à turma dos churrascos nos finais de semana, dos chimarrões de fim de tarde, sempre calorosos e (ouso dizer) românticos! enfim: pura plebe! e lá estavamos todos, a votar! uma tarefa bastante litúrgica e por demais demorada.
eram filas para assinatura de listas, entrega de procurações, verificação de documentos e recebimento da cédula em papel, como nas antigas! bem que de repente, chegou diante do salão, com motor roncando alto e de forma assustadora, um caminhão camuflado do exército brasileiro. acompanhado de uma tropa toda fardada! e sem cerimônia alguma adentraram o salão! e eu... que não perco a ironia das coisas, virei-me para trás de minha cadeira e proferi um comentário que julgava apropriado:
- é... hoje vai ter golpe militar! -
foi aí que percebi, no meio do meu riso frouxo, que só eu desfrutava da piada! olhavam assustados e curiosos para mim, parte daquela platéia, sobretudo os mais velhos! eu havia cruzado uma tênue linha da lembrança. calei-me quase tomado de vergonha!
os militares instalaram o equipamento de som, para depois, ambos candidatos discursarem, aos olhos atentos de uma silenciosa e atenta platéia. por fim, o relatório do acerto de contas e o início de uma lenta marcha em direção a urna sacralizada! o sufrágio universal!
a situação venceu! e mais uma vez, a continuidade da ordem. mas isso é a democracia!

Um comentário:

  1. Algo que me chamou atenção na história foi que, aparentemente, as pessoas que organizaram a votação do condomínio tem mais noção de democracia que o governo do país. Uma pergunta que eu sempre faço é "Que democracia é a que vivemos se somos obrigados a votar?" acho que além da opção partidárias deveríamos ter a opção de não querer participar disso tudo, sem precisar pagar multas, mesmo que mínimas.

    Outra coisa, eu ri muito com a sacada do golpe militar, se fosse eu no lugar seria bem provável que falasse algo do gênero também e ficaria quase tomada pela vergonha e da cor de um tomate.
    Beijão!

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